sexta-feira, agosto 05, 2005

Guiné-Bissau: sem rei nem trono

Sucedem-se num compasso ritmado. Primeiro Amílcar Cabral, depois Luís Cabral, segue-se Nino Vieira, desaparece Ansumane Mané, integra-se Kumba Yalá, mistura-se tudo, surge um novo Golpe de Estado, elege-se como Presidente Interino Henrique Rosa, desaparece General Veríssimo Seabra, voltam a aparecer Kumba Yalá e Nino Vieira. Resultado final para a 2ª volta, dois candidatos: Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá. Mistura-se tudo, Nino deposto por Kumba recebe o seu apoio para a 2ª volta.

A Guiné-Bissau é marcada de sucessões, sucedem-se uns aos outros com violência. Amnistia-se com justa causa em nome da Reconciliação, Paz e Unidade Nacional, sem que haja julgamento, abusando da letra da canção a mi i fidju di tchon, ninguem ca pudi fassi mal (Sou filho da terra, ninguém me pode fazer mal). A História dilui-se, perde-se num conjunto de imprecisões numa cronologia de sangue: 14 Novembro, 7 Junho, 14 Setembro, 6 Outubro. A verdade assemelha-se ao 1984 de Orwell: os heróis de ontem transformam-se em assassínios cujo julgamento faz-se em praça pública, sob a pena da catana ou da espingarda.

Pequeno país, Estado frágil. A 24 de Julho, os guineenses foram novamente às urnas para eleger o seu Presidente da República. A lógica democrática de uma pessoa = um voto, não pode ser transposta para a Guiné-Bissau, sem antes se entender duas formas de organização social diferentes ligadas ao poder: uma, ligada à experiência de conjugação interétnica originada na luta armada; outra ligada a ideologia do aparelho de Estado nascido, após a independência (Carlos Lopes). Kumba Yalá deixou de ser Presidente de todo um povo com o seu barrete encarnado, símbolo da etnia Balanta; Nino Vieira ao regressar à Guiné-Bissau, em Abril, sem autorização oficial, sobrepôs o argumento do perdão ao do poder do Estado: voltei à minha terra para pedir perdão a todos os que magoei no passado e garanto que já perdoei a todos os que me magoaram (Nino Vieira).

Neste terreno multi-étnico (registados cerca de 27 grupos étnicos), destacam-se dois homens que procuraram construir uma nação: Amílcar Cabral e Henrique Rosa. Reconhecidos pelos guineenses pelo seu empenho, dedicação e integridade, não lhes foi, no entanto, permitido dar continuidade a este projecto. O primeiro foi assassinado, o segundo não teve apoio político nem militar para apresentar uma candidatura. Cabral era designado de burmedjo – vermelho, nome apresentado para caracterizar cabo-verdianos, ao contrário dos preto nok (negro escuro) guineenses. A Henrique Rosa imputa-se o facto de outros membros do Governo transição anterior não terem podido candidatar-se nas legislativas de 2004. Ambos foram líderes de todos os guineenses e conseguiram elevar a Guiné-Bissau a nível internacional a um país que era capaz de se desenvolver.

Os resultados da segunda volta deram a vitória a Nino Vieira, reclamações e contestações conduziram a uma recontagem dos votos em Bissau, Biombo e Bafatá, exigida por Malam Bacai Sanhá. Mas nas ruas, a população reclama outro voto, negado por todos os que o embandeiram: paz e reconciliação. Para estes, finda a festa dos comícios, fica apenas a instabilidade e a insegurança e o abandono progressivo do djitu ten qui ten (“há uma alternativa, uma solução”). Poder-se-á afirmar que o povo que mais ordena teve a sua oportunidade de voto, mas a decisão de voto não é individual na Guiné-Bissau e no ciclo de pobreza em que vive imaginar soluções futuras está fora do seu alcance porque o amanhã é uma abstracção que pode não ser real.

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