domingo, julho 01, 2007
Wstawac
É um sonho dentro de outro sonho, variado nos pormenores, mas único na substância.
Estou à mesa com a família, ou com amigos, ou no trabalho, ou num campo verde: em sum, num ambiente plácido e descontraído, aparentementemente livre de tensão e de sofrimento e contudo sinto uma angústia subtil e profunda, a sensação bem definida de uma ameaça que paira.
E de facto, com o avançar do sonho, pouco a pouco, ou brutalmente, de cada vez sob uma forma diferente, tudo se desmorona desfazendo-se à minha volta, o cenário, as paredes, as pessoas, e angústia torna-se mais intensa e precisa.
Tudo se transformou em caos: estou sozinho no centro de um nada cinzento e turvo, e pronto, eu sei o que significa isto, e sei também que sempre o soube: estou de novo no Lager, e nada era verdadeiro fora do Lager.
O resto era uma breve pausa, ou engano dos sentidos, sonho: a família, a natureza em flor, a casa. Agora este sonho interno, o sonho de paz, já acabou, e no sonho exterior, que prossegue gélido, oiço ressoar uma voz, be conhecida: uma única palavra, não imperiosa, mas antes curta e baixinha.
É a do comando da alvorada em Auschwitz, uma palavra estrangeira, temida e esperada:
levantar, "Wstawac".
Primo Levi em "A Trégua". 2004, Editora Teorema, pág.249/250
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