sexta-feira, outubro 21, 2005

O Expresso

Eu até não acho grande piada ao Pulido Valente...mas acho que nesta crónica tem vários tiros certeiros...

"O Expresso" por Vasco Pulido Valente

"Ao fim de mais de vinte anos, José António Saraiva levou o proverbial "pontapé para cima" e saiu do Expresso. O Expresso nasceu, durante a ditadura, por favor pessoal de Marcello Caetano. Marcello não queria "alienar" os "jovens liberais" que ao princípio o haviam apoiado e, quando eles se afastaram, para os conservar na periferia do regime, deixou que eles fizessem uma "associação independente" (a Sedes, que já morreu) e um jornal, o Expresso, que ainda existe. Muito diferente da imprensa da oposição clássica (a República, o Diário de Lisboa), bem informado, "moderno", subtil, antes de 74, o Expresso foi o símbolo e a esperança de uma vida democrática. Toda a gente o lia: em Portugal, em Angola, em Moçambique, na Guiné ou no exílio. Era o jornal que a história naquela altura pedia.

Veio a revolução e, a seguir, o PREC e o período confuso da tutela militar. O Expresso mudou. Balsemão e Marcelo (Rebelo de Sousa) foram para o Governo e nunca mais voltaram. A pretexto de uma "independência" dúbia, o jornal não passava de um saco onde cabia, e se metia, tudo: o bom e o mau, a esquerda e a direita, a notícia e o frete. Não por acaso, José António Saraiva chegou nesse momento a director. Perfeita encarnação da vacuidade, não incomodava ninguém. Pouco a pouco, o único objectivo do Expresso acabou por se tornar vender "papel" e ganhar dinheiro. A qualidade caiu e voltou a cair. Pouco a pouco, o 1.º caderno começou a roçar o vergonhoso: com informação da véspera, sem opinião e sem análise. Os suplementos, tirando o Actual e a Única, são molhos de publicidade "especializada"; e o Actual e a Única, os dois sobre o mortiço, raramente, aqui e ali, sobem acima da vulgaridade. O Expresso hoje não se lê. Hoje o Expresso é para folhear, e "leva" dez minutos.

Mas, se isto é verdade, então como sobreviveu o Expresso ao Semanário e a O Independente? Primeiro, pela sua prioridade e o prestígio acumulado antes de 74. Depois, porque o Semanário e O Independente, com um apoio financeiro precário, tinham fins políticos puramente tácticos e se esgotaram com eles. O mistério não está aí. O mistério está na fidelidade ao Expresso da classe média portuguesa (cuja iliteracia ele provavelmente reflecte) e na razão por que não apareceu, nem aparece, o concorrente sério de que o país precisa. A remoção de Saraiva é um sintoma de fracasso ou de fraqueza e a oportunidade é agora clara. Quem se arrisca?"

in Público

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